Manuscritos a pena de aço guardados durante decênios: O acervo de Apolinário Porto Alegre no IHPF

Talvez atualmente poucas pessoas estejam familiarizadas com a figura de Apolinário José Gomes Porto-Alegre (1844-1904), ou estejam cientes de que parte de seu arquivo pessoal está disponível para consulta no Instituto Histórico de Passo Fundo. Mas como isso se deu?

Apolinário José Gomes Porto Alegre nasceu em Rio Grande um ano antes do fim da Revolução Farroupilha (1835-1845). Filho de um funcionário público, recebeu educação primária na Capital do Estado e posteriormente mudou-se para São Paulo para concluir seus estudos na Faculdade de Direito. O falecimento de seu pai o levou de volta ao Rio Grande do Sul, onde iniciou sua carreira como professor e estabeleceu suas próprias instituições de ensino. Em 1867, fundou o Colégio Porto Alegre, contando com a colaboração de seu irmão Aquiles Porto Alegre. O ano de 1870 marcou a fundação do Colégio Rio-Grandense, em parceria com seu irmão Apeles Porto Alegre. Em 1876, deixou a direção do Colégio para abrir o Instituto Brasileiro, seu projeto educacional mais ambicioso e duradouro, com o auxílio de Hilário Ribeiro. Além de suas contribuições educacionais, é digno de nota que Apolinário foi um dos fundadores da Sociedade do Partenon Literário.

A Sociedade, criada por Apolinário Porto Alegre em 1868, atraiu centenas de intelectuais em um curto período. Defendia causas como a abolição da escravatura e os direitos femininos, além de promover saraus, conferências públicas e estabelecer uma biblioteca e o primeiro museu de história natural da Província.

Como republicano idealista, Apolinário não apenas abordou o republicanismo em seus escritos, mas também o implementou em suas práticas educacionais no Instituto Brasileiro. Comemorações como o desfile da banda da instituição tocando o hino da República Rio-Grandense e a Marselhesa nas datas da Revolução Farroupilha e da Revolução Francesa demonstram sua visão e engajamento político. Além disso, sua participação na fundação do primeiro Clube Republicano do estado é notável, embora sua divergência posterior com Julio de Castilhos, líder do partido, seja digna de menção.

Após seu falecimento em 1904, Apolinário Porto Alegre deixou um legado intelectual significativo para as letras sul-rio-grandenses, bem como um acervo de materiais, livros e manuscritos não publicados. Seu espólio passou para seu primogênito, Álvaro Porto Alegre, que posteriormente o emprestou a pesquisadores. Após a morte de Álvaro em 1969, parte do material foi vendida e dispersa. Apesar disso, no mesmo período, o Círculo de Pesquisas Literárias (CIPEL) empenhou-se na preservação da produção intelectual de Apolinário, a partir da organização da obra Popularium Riograndense.

Fundado em 1966 o CIPEL, tinha como principal objetivo desenvolver pesquisas sócio-histórico-literárias. A fundação da entidade acabou por reunir uma série de interessados pelas letras sul-rio-grandenses, que, no ano de 1968, dedicaram seus esforços ao 1º Centenário do Partenon Literário. Ao longo daquele ano diversos foram os eventos dedicados a celebrar a efeméride, um marco para as letras e a cultura sul-rio-grandense.

Como dito, após o falecimento de Álvaro, a viúva Adecarlice Ferreira Porto Alegre passou a vender diversos itens do espólio a pessoas interessadas. O primeiro lote foi vendido ao monsenhor João Maria Balém, “que em seguida doou ao Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul”. O lote continha a correspondência pessoal de Apolinário, além dos documentos referentes à Revolução Farroupilha. Posteriormente, no ano de 1970, Adecarlice

recebeu em sua residência os pesquisadores e membros do CIPEL Gabriel Pereira Borges Fortes, Lothar Hessel, Moacyr Flores e Hélio Moro Mariante e vendeu pilhas de materiais diversos. A documentação que ainda havia foi separada em quatro ‘pilhas’, em seguida, cada um pegou, às cegas, uma ‘pilha’, sem saber o conteúdo. E assim foram repartidos os documentos, posteriormente intercambiados entre os quatro integrantes, conforme os interesses de pesquisa. Lothar Hessel ficou com os itens que se referiam ao teatro, Moacyr Flores com peças de teatro e alguns documentos relacionados a Revolução Farroupilha, enquanto Gabriel Borges Fortes acumulou os itens relacionados à imprensa, bem como os jornais.

Em 1977, Adecarlice doou ao CIPEL parte do acervo bibliográfico e documental de Apolinário e Álvaro Porto Alegre, o que ampliou a documentação a ser analisada para a edição do Popularium Sul-RioGrandense, cuja primeira edição saiu em 1980. Conforme nota feita à segunda edição, no dia do lançamento da primeira edição informaram o reorganizador da obra que nela talvez não estivesse a parte que se encontrava no Rio de Janeiro, nas mãos de Augusto Meyer, diretor do Instituto Nacional do Livro, que havia falecido dez anos antes.

Lothar Hessel se apresentou à herdeira de Augusto Meyer, que lhe entregou o material que estava com o pai. O pesquisador, ao registrar suas impressões sobre a tarefa de publicar a obra de Apolinário, registrou:

manuscritos a pena de aço; dispersos pela soldadesca castilhista; irrigados pela chuva; em parte perdidos para sempre, em parte recolhidos por seu filho adolescente; refeitos parcialmente pelo autor na volta do exílio; guardados durante decênios por Álvaro Porto Alegre; mencionados periodicamente e apontados por intelectuais como de necessária publicação; assim nos chegaram às mãos os originais do Popularium, em estado de deplorável desorganização (PORTO ALEGRE, 2004, p. 13).

Gabriel Pereira Borges Fortes, acrescentou ao seu acervo os artigos adquiridos fazendo questão de destacar, em muitos itens, a proveniência deles, informando a sua compra da viúva Adecarlice e relacionando-os com o espólio de Apolinário Porto Alegre. Ao que tudo indica, o maior volume de itens que passaram à coleção de Borges Fortes eram jornais. Em 2015, parte da biblioteca de Gabriel Borges Fortes foi vendida ao então presidente do Instituto Histórico de Passo Fundo (IHPF), que doou à referida entidade as obras. No mesmo ano, motivados pela venda do apartamento onde estava o acervo, outros familiares doaram ao Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul outra parte do acervo. Em 2018, por meio da doação do primogênito de Gabriel Pereira Borges Fortes, o IHPF recebeu milhares de jornais, incluindo-se, entre eles, diversos números que pertenceram a Apolinário Porto Alegre, conforme anotações de Borges Fortes. Pulverizava-se assim, o acervo já disperso de Apolinário Porto Alegre.

Ao investigarmos, em nossa tese de doutoramento a reunião e a dispersão do arquivo pessoal de Gabriel Borges Fortes, acabamos por acessar a sede do CIPEL, local onde encontramos, acondicionados em um armário, centenas de páginas de manuscritos do século XIX, além do material utilizado por Lothar Hessel para a publicação da primeira edição do Popularium sul-riograndense. Esse material foi coletado e, por meio de um termo de colaboração, foi transferido ao Instituto Histórico de Passo Fundo, que passou a tratar do material, higienizando-o, identificando-o e acondicionando-o devidamente. O conjunto totalizou nove caixas arquivo, sendo que os manuscritos foram divididos de acordo com a tipologia, ou seja,

correspondências, originais de publicação, materiais impressos, recibos etc. Atualmente, parte desse acervo está sendo catalogado e preparado para uma publicação comemorativa dos 180 anos de nascimento e 120 anos de falecimento de Apolinário Porto Alegre, em uma colaboração entre o Instituto Histórico de Passo Fundo e o Círculo de Pesquisas Literárias.

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